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Segunda-feira, 13 de Agosto de 2007

José Eduardo Agualusa: "Não sinto necessidade de escrever como de fazer amor"

 

 

Helena Teixeira da Silva

Foi mais difícil encontrá-lo do que obter a entrevista. Mesmo se a internet engoliu o primeiro mail, e o segundo, que José Eduardo Agualusa, 46 anos, enviou com as respostas.  “Há uma maldição qualquer”, justificou  o escritor angolano, cujo ADN está nas viagens. “Sou o homem mais feliz que conheço”.

 

Na Internet encontram-se quase tantas referências aos seus livros como à sua beleza física. Também acha que tem “pinta de galã de novela” e que isso contribuirá para o seu sucesso de vendas?

Acredito que a beleza possa ser importante para a carreira de um actor, ou até de um músico popular, mas parece-me irrelevante para a forma como um escritor é recebido pelos seus leitores. Nem sequer conheço a cara de alguns dos meus escritores preferidos. 

Venceu o Independent Foreign Fiction Prize 2007. Isso transformou-o?

Transformou a forma como os meus livros passaram a ser recebidos no estrangeiro e quando digo estrangeiro refiro-me ao espaço das outras línguas. Os livros começaram a vender mais em Inglaterra e houve mais solicitações para traduções, além de que passaram a pagar-me valores bastante mais elevados como adiantamento.  

O livro que se escreve depois de um prémio literário desta importância é mais seguro ou acontece-lhe o contrário?

Deixa-me indiferente. Talvez o Nobel não deixe. A verdade é que não penso nisso enquanto escrevo. Evidentemente agrada-me muito receber prémios, e também ter muitos leitores. Mas enquanto escrevo penso sobretudo naquelas pessoas que me são mais próximas, ou num ou noutro crítico que eu respeito mais. O resto é o prazer da escrita. A alegria que me dá descobrir outros universos. O jogo em si.  

Valoriza mais a sua prodigiosa imaginação ou a capacidade de ser ágil e sagaz na escrita?

Imaginação parece-me essencial neste ofício, e inteligência também. Faço um grande esforço para conseguir que aquilo que escrevo manifeste alguma elegância. Elegância tem a ver com simplicidade.  

São sempre os livros que nos escrevem ou isso é só uma posição em que os escritores gostam de se colocar?

Bem sei que parece uma frase de efeito, além do mais bastante batida, mas pelo menos no que me diz respeito corresponde à verdade. Não sei nunca aonde um romance me vai conduzir e isso é sempre o mais fascinante. É um exercício de descoberta.  

O clímax de um livro [que se escreve] atinge-se aquando do de uma viagem: no fim? Sim. No momento em que os fios se começam a amarrar, num movimento quase mágico, isso é um arrebatamento.  

É possível justificar racionalmente a necessidade absoluta de escrever?

Nunca senti a necessidade absoluta de escrever – como de comer, ou de fazer amor. Escrever é quase sempre um prazer enorme, mas não uma urgência, ou uma angústia como imagino que seja um cigarro para um fumador. 

 

Para quem nunca leu os seus livros, as crónicas, nomeadamente as do ‘Público’, são o seu melhor cartão de apresentação? Ou, como Lobo Antunes, escreve-as sem lhes dar grande importância?

O António tem razão. As crónicas têm uma importância relativa. No meu caso servem-me de exercício, escrevo crónicas como quem toma notas que mais tarde posso retomar para escrever um conto ou um romance. As minhas crónicas têm como título Fronteiras Perdidas precisamente porque se situam num espaço ambíguo, entre a crónica clássica, o artigo de opinião, e o pequeno conto.  

Dizer-se afro-luso-brasileiro é a sua melhor definição de nacionalidade?

Não simpatizo com a ideia de nações nem com fronteiras. Sou um não-nacionalista. Ou um anacionalista. Acho que o nacionalismo conduz quase sempre ao ódio ao outro, ao desprezo pelo outro, quando, afinal de contas, o outro somos sempre nós.  

A nossa identidade está na biologia ou nas escolhas que fazemos?

 Nas escolhas. Nos caminhos que percorremos. A identidade constrói-se caminhando. 

A sua a realidade é quase sempre mais inverosímil do que a ficção. Isso quer dizer que se nasce escritor?

Quer dizer que também não reconheço fronteiras a separar a realidade do maravilhoso.  A realidade é sempre maravilhosa, podemos é estar distraídos.  

Acredita, como Zumbi ["O ano em que Zumbi tomou o rio", 2002], que o Brasil ainda não se descolonizou?

Num certo sentido precisa completar essa descolonização. Isto é, seria importante que todos os brasileiros tivessem o mesmo acesso ao poder, o que não acontece ainda com as populações indígenas e de origem africana.  

Que Portugal há hoje em Angola que não o do usurpador que colonizou?

A língua, evidentemente; o catolicismo, o futebol, o gosto pelo bacalhau e pela má-língua.

  

A qualidade da cultura depende sempre da situação económica do país?

Depende disso e do investimento na educação. 

Acha mesmo que "os escritores portugueses são todos terrivelmente melancólicos"?

Acho que há alguns com muito bom humor. Poderia começar por citar o meu escritor favorito, o Eça de Queirós, ou um dos seus melhores amigos, o Ramalho Ortigão. O Almada também não era melancólico – mas era santomense. E o Gonçalo M. Tavares tem livros divertidíssimos – bem, é certo que nasceu em Luanda.  

Não gosta de Saramago porque ele é ‘niilista e pessimista’ ou não aprecia mesmo o modo de escrever do Nobel?

O Saramago é um grande escritor. Pode-se ser pessimista, que é quase sempre uma forma de se ser reaccionário, sendo-se um grande escritor. Borges era um reaccionário e é um escritor que me marcou muito, e que releio frequentemente.  

Rubem Fonseca, García Marquez e Bruce Chatwin ainda são a sua santíssima trindade?

Esqueceu-se do Eça, do Borges, do Nabokov, do Fernando Pessoa. E há outros.

 

Se pudesse ir de férias com Jorge Luís Borges para onde iriam os dois?

Borges está morto. Não me agrada nada a ideia de viajar com um cadáver na bagagem. Mesmo que estivesse vivo não o escolheria como companheiro de viagem. Preferia muito mais viajar com a Agustina, que é uma pessoa muito divertida. Ou com o Rubem Fonseca. Mas se tivesse de viajar com um escritor escolheria um grande amigo: o Mia Couto. Ou o Pedro Rosa Mendes, ou o Francisco José Viegas, ambos extraordinários viajantes, e que em qualquer parte do mundo sabem sempre onde se pode comer melhor.  

Faz questão de que as suas personagens tenham sempre um modelo real. Há aí um lado próximo do jornalismo?

Nem todos os meus personagens têm um modelo real. 

Há quem as considere [às personagens] levemente pretensiosas. É assim que as vê e as quer?

Já escrevi tanto. Criei personagens tão diversas. Os angolanos, e em especial os luandenses, são muitas vezes arrogantes e pretensiosos. Acho que em muitos casos é uma forma de disfarçar a insegurança.  

Félix Ventura, o albino angolano que vende passados, é a sua melhor invenção de sempre?

Será? Eu gosto muito da Lídia do Carmo Ferreira, da Estação das Chuvas e da Ana Olímpia, da Nação Crioula. Também gosto do meu personagem mau, que aparece em vários romances, um tipo que é agente da segurança de Estado, entre várias outras ocupações, chamado Monte. Acho que o Monte é um personagem bem desenhado, com muita profundidade.  

Venderia o seu passado, se fosse possível?

O meu passado não tem preço – como o Taj Mahal. Sou uma das pessoas mais felizes que já tive a oportunidade de conhecer.  

Em que circunstância teve a ideia peregrina de pôr uma osga a narrar "O vendedor de passados"?

Eu conheci uma osga que ria – há muitos anos, na Floresta de Taman Negara, na Malásia. Nunca mais a esqueci. 

Por que é que a osga é um camaleão na edição inglesa do livro?

 Camaleões são os outros. As criações do Félix Ventura. Mas acho que fizemos mal em ter dado esse título ao livro na edição inglesa – “O Livro dos Camaleões”. Confundiu a crítica. 

Um excepcional escritor pode verdadeiramente ser uma má pessoa?

Provavelmente. Conheço alguns torturadores em Angola, pessoas que interrogaram e torturaram presos políticos em 1977, que são recebidos em Portugal como bons escritores.  

Viajar será sempre a melhor maneira de um escritor se inspirar ou a mais eficaz para fugir de si e dos outros?

Viajar não tem de ser uma fuga. Eu viajo para conhecer pessoas.  

O seu único endereço fixo continua a ser o do email?

Tenho um belo apartamento em Lisboa, meu, e outro alugado em Luanda. 

Tem alguma mágoa por os seus livros, que são eminentemente cinematográficos, ainda não terem chegado ao cinema?

Nenhuma. Dos meus sete romances quatro estão a ser adaptados para o cinema, dois deles em fase bastante adiantada. 

Se as pessoas se dividissem realmente entre as que preferem Chico Buarque ou Caetano Veloso, de que lado ficaria?

Chico Veloso ou Caetano Buarque. 

Tem um “cemitério de cadernos”. Que outras coisas enterra com vida?

Os cadernos não estão enterrados. Estão numa estante, sem pó.  
 


publicado por JN às 02:43

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