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Quinta-feira, 23 de Agosto de 2007

Eduardo Cintra Torres: "Os outros governos foram meninos de coro"

Helena Teixeira da Silva

Única condição: não desvirtuar as suas afirmações em eventuais cortes de edição. Assumido o compromisso, Eduardo Cintra Torres, 49 anos, cronista do Público há 11 anos, talvez o mais mediático crítico de televisão em Portugal – e o mais controverso – respondeu por mail à entrevista.


Vai de férias para sítios onde não haja televisão?

Ela pode lá estar, mas não a vejo.

 

Quantas horas reais de televisão vê por dia?

Horas reais no sentido de efectivas, cerca de duas. Horas reais no sentido de verdadeiras, de portadoras de autenticidade, talvez meia hora. Horas reais no sentido de programas com qualidade de realeza, só mesmo quando o rei faz anos.

Esse exagero faz de si uma pessoa particular? Porquê?

Julgo que o que me particulariza é precisamente ver pouca TV. Eu não quero escrever crítica de muita televisão, quero apenas escrever boa crítica de televisão.

Sente compulsão para ver sempre televisão, mesmo por aquela que sabe ser telelixo?

Compulsão sempre? Nem pensar. Só mesmo quando sinto que o programa merece ser abordado criticamente. Quando vejo programas que considero de pouca qualidade ou de que não gosto tento sempre encontrar ângulos de análise que tornem os meus artigos úteis e interessantes para os leitores. Alguns críticos confundem os dois planos, mas eu não escrevo para telespectadores, escrevo para leitores.

É possível ver televisão com prazer, sem pensar no que poderá escrever a seguir? Quer dar um exemplo?

Por obrigação profissional, vejo sempre TV como crítico, mas às vezes «desligo» mentalmente, para apreciar programas que me agradam: séries, bons documentários e informação, Simpsons, alguns programas musicais.

 

Já lhe aconteceu ter que se  controlar para não intervir num programa em directo?

Já. Como qualquer espectador, senti o impulso de telefonar ou mandar correio electrónico. Mas nunca o fiz. Já tenho o meu espaço de intervenção pública através da crítica, não devo abusar nem roubar o dos outros.

E pedirem-lhe, na véspera de uma estreia televisiva: “Por favor, não diga mal”?

Nunca. De qualquer forma, não serviria para nada.

 

Ressaca quando não vê televisão durante algum tempo?

Depois de uma barrigada de má televisão sinto um vazio que só passa com silêncio, leitura, jardinagem ou uma boa conversa.

 

Mesmo com as óbvias compensações pessoais pelo exercício da crítica, sente que perde muitas horas de vida com a telerrealidade?

Muitas não, algumas. Mas também tenho ganho algumas, porque há momentos ou programas gratificantes, úteis, interessantes, bonitos. Não sou contra a televisão, pelo contrário, acho um  media magnífico. Tem muita porcaria? Sim, mas nisso não se distingue da literatura, rádio, imprensa, internet, cinema, teatro...

Que filtro usa para não ser condicionado por aquilo que vê?

O filtro da crítica. Criticar é analisar, e analisar implica um afastamento para se tentar ver melhor. Além disso, estudo ou investigo os temas sobre os quais escrevo. Sem estudo nem reflexão não há crítica de qualidade, em qualquer área.

 

Quase deseja secretamente ter uma realidade tumultuosa para poder escrever artigos mais empolgantes?

Não desejo. Mas que quando ela aparece há um estímulo adicional, ai, lá isso há.

 

Recorde as suas violentas críticas à RTP no Verão incendiário do ano passado, a sugerir irradiações na direcção do canal. O desfecho do caso não o beneficiou...

Está a confundir frontalidade e profundidade de análise com violência. Nunca sou violento. De maneira nenhuma vejo esse caso como uma questão de ‘benefício’ ou ‘perda’ em termos pessoais. Alertei o país para o condicionamento político de um media. A partir dali, este governo, nem nenhum outro se safa tentando controlar os media sem que a sociedade esteja atenta e reaja. O país beneficiou com o alerta.

 

Acha então que prestou um serviço aos telespectadores?

Alertei-os para a forma como se estava a cobrir os incêndios na RTP. A RTP de imediato mudou a forma como estava a fazer essa cobertura. Portanto, os espectadores beneficiaram da mudança numa informação que estava a ser feita de forma incorrecta.

 

Que consequências teve o caso, do seu ponto de vista, para a Entidade Reguladora para a Comunicação (ERC)?

Permitiu desmascarar a ERC como um instrumento do poder político que protege o governo nos momentos-chave. Ainda esta semana isso se reconfirmou. Devido ao caso dos incêndios a ERC ficou totalmente desqualificada. Hoje, na sociedade portuguesa só mesmo o governo lhe dá crédito.

 

É mais comedido agora?

Senti na pele o que é o autoritarismo do poder político e dos seus braços institucionais e empresariais. Quiseram calar-me, não tenha dúvida. Eu resisto, mas não é  fácil, porque não pertenço a nenhum partido, maçonaria, opus dei, clube de futebol, mafia ou grupo de interesses. Sou um jornalista e autor independente.

 

Fica inimigo de quem critica mais violentamente?

Nisso estou como Marcelo Rebelo de Sousa: não me incompatibilizo com ninguém, as pessoas é que podem querer incompatibilizar-se comigo. Há pessoas que critico e com quem converso ou almoço de vez em quando. É assim que agem as pessoas civilizadas, sérias e democráticas. Não fico inimigo de ninguém.

 

Qual o Governo, dos que conhece enquanto crítico, que melhor desenvolveu manipulação através dos órgãos sob a sua tutela?

Em democracia, o actual. Ao pé deste, os outros foram meninos de coro.

 

Os seus textos, no Público, deixam passar muitas vezes a sua irritação. Isso não torna vulnerável a crítica?

É a primeira vez em 11 anos que me dizem isso. Estou em total desacordo. Não deixo passar irritação porque escrevo com enorme prazer, nunca escrevo irritado. Se o fizesse, os leitores castigar-me-iam não me lendo.

 

A opinião de um crítico pode ter tanto valor como um facto?

Não. Mas repare: os factos só existem no mundo da realidade, nos media só há versões dos factos, mesmo nas notícias. A análise de um crítico ou de um comentador pode valer tanto como outra versão de um facto. Por exemplo, o libelo «J’accuse!», de Émile Zola, teve um valor extraordinário, muito superior ao de muitas notícias sobre os factos que ele comentou no seu texto.

De onde vem o seu imenso interesse pelas técnicas de propaganda governamentais?

Vem do próprio trabalho de análise dos media. Como crítico, sinto como um verdadeiro dever mostrar aos meus leitores aspectos que eles não puderam notar, por não serem especialistas nem terem essa preocupação. Como a propaganda é uma actividade que esconde a sua natureza, sinto esse dever de a revelar publicamente.

Quem é que tem os críticos de televisão como arqui-inimigos?

Não sei.

O que gosta mais de escrever: as críticas que rebaixam (porque a isso o seu juízo o obriga) ou as que só louvam algo que já estava bem feito?

É mais gratificante para mim escrever sobre programas em que encontro qualidades. O «dizer mal» não faz o meu género, nem sequer o considero como crítica. Mas o que mais gosto é de escrever artigos que sejam úteis e interessantes, procurando que mesmo um mau programa de TV origine um artigo que valha a pena ler pelo seu contributo positivo para o conhecimento.

Em que circunstância pode assobiar para o lado se tiver uma opinião para dar?

Só me inibo de escrever se participo nos programas como autor. Por exemplo, escrevi um argumento para um telefilme (RTP), fui autor e co-autor de duas séries documentais (RTP), corrigi perguntas e respostas de concursos (RTP e SIC) e aconselhei a RTP em vários projectos ficcionais (2002-3). Sobre esses programas não escrevi, mas nunca deixei de escrever o que pensava sobre esses canais enquanto duraram essas colaborações.

Há quem defenda que o que se escreve sobre televisão é pior do que a própria televisão. Quer defender-se?

Não preciso de me defender, porque não me revejo nessa afirmação. Como disse, tento que seja ao contrário, que os meus textos sejam mais compensadores do que alguns maus programas sobre os quais escrevo. Mas não sou o único crítico de TV. Há de tudo na crítica, como na botica.

A televisão está hoje transformada num tribunal?

Os media sempre foram um espaço público de opiniões e, portanto, de julgamentos não judiciais. Há nos media julgamentos de opinião pública, que são legítimos. Mas um julgamento de opinião pública não é um julgamento de tribunal. O problema é quando um ou mais media se armam em substitutos dos tribunais na acção específica da apreciação correcta de todos os factos por parte de quem se pode defender e acusar livremente (com advogados) perante alguém imparcial que só deve olhar à lei (o juiz). Isso é o tribunal, e um media não o é. 

Há hoje algum “Senhor Televisão”?

Não, e ainda bem. As ditaduras nunca foram boas.


publicado por JN às 03:23

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