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Quarta-feira, 22 de Agosto de 2007

João Fernandes: "Permita-me duvidar das 800 mil visitas ao CCB"

 

Helena Teixeira da Silva

 

Está em Aljezur, concelho algarvio emoldurado por mar e montanhas. E onde raras vezes consegue ter-se rede para atender o telemóvel. João Fernandes, director do Museu de Serralves, no Porto, desde 2003, conseguiu. Respondeu à entrevista por mail, mas deixou, cordial como sempre, o telemóvel às ordens.

 

Há pouco tempo, José Sócrates reuniu-se em Serralves com agentes artísticos do Porto convidados por si e uma artista plástica beijou o PM na boca. Achou graça, como atitude irreverente, típica de artista, ou ficou embaraçado?

Em primeiro lugar, os artistas não foram convidados por mim, mas sim pela Fundação de Serralves, a pedido do Gabinete do Senhor Primeiro Ministro. Em relação ao facto de que fala, sim, achei graça, se bem que só tenha achado graça, por o ter considerado bastante gratuito.

 

Gostava de ser uma espécie de Durão Barroso das artes, isto é, de abandonar Serralves para o topo da Europa a nível museológico?

Um museu demora bastante tempo a construir, mas pode também ser destruído muito rapidamente. Enquanto continuar a ter as condições adequadas para desenvolver o projecto de museu que estamos a construir em Serralves, jamais o deixarei a meio. No dia em que esse projecto seja estável no seu futuro, não comprometendo o que até aí foi realizado, terei o meu papel cumprido e poderei estar disponível para outros desafios. Há ainda muito para fazer até esse momento.

 

Não sente vontade, de vez em quando, de tirar férias do meio artístico. De fazer, por exemplo, turismo gastronómico ou assim uma coisa mais prosaica?

Muitos foram os artistas que, ao longo das últimas décadas, tornaram indistinguíveis as fronteiras entre a arte e a vida. Trabalhar com artistas não me impede de viver, propicia-me pelo contrário momentos de vida inesquecíveis. Alguns deles também são gastronómicos... Não gosto no entanto de ser turista, prefiro viajar em trabalho.

 

É director da instituição artística de maior sucesso no país, mas nunca aparece em notícias do social. Foge desse mundo ou esse mundo que não demonstra interesse por si?

Se esse mundo de que fala é o mundo das revistas sociais, claro que o evito, dado que ele em nada me interessa nem em nada se relaciona com o meu trabalho. Espero bem obter desse mundo a mesma indiferença que eu lhe dedico.

 

Imaginemos um projecto transversal arte-música, admitia convidar um artista pimba para Serralves como gesto contemporâneo?

Não sei o que é o "gesto contemporâneo" de que fala. Mais do que apenas a contemporaneidade, é também o experimentalismo que caracteriza a programação de um museu de arte contemporânea. Convido artistas pelo trabalho que fazem e não me parece que o contexto musical de que fala tenha o seu lugar de recepção ou de apresentação ideal no Museu de Serralves...

 

Incomoda-o que Serralves seja recorrentemente apontado como exemplo da vitalidade da cultura no Porto, servindo para encobrir a real ausência de vida cultural na cidade?

Serralves "não encobre" a "ausência" de vida cultural na cidade. Trata-se de um projecto que tem corrido bem, mas que não é tudo na cidade do Porto. Todos teríamos a ganhar se a vida cultural da cidade não fosse feita apenas de alguns oásis no deserto...

 

Diria que é a única instituição da cidade que o actual Executivo não consegue beliscar?

A independência do projecto artístico de Serralves é reconhecidamente uma das condições necessárias do seu sucesso. Felizmente, essa independência tem sido respeitada e reconhecida pelos contextos sociais portugueses, sejam eles económicos ou políticos. É sempre de lamentar quando outros projectos culturais não reunem as mesmas condições para o desenvolvimento do seu trabalho...

 

Rui Rio é uma boa desculpa para a preguiça dos artistas?

Não faço a injustiça ao Dr. Rui Rio de crer que ele seja desculpa para o que quer que seja. Não sei também de que preguiça dos artistas fala. Por vezes, a preguiça pode ser condição necessário do trabalho de um artista...

 

Disse que "o sucesso de um museu não é comensurável pelas estatísticas". Nesse caso, por que insiste em divulgar os números de visitantes?

Não trabalhamos para bater recordes de público, mas ficamos obviamente satisfeitos quando constatamos que o público acorre ao museu em grande número.

 

Reconhece que há alguma pressão para que uma exposição bata sempre o recorde da anterior?

Não, não reconheço essa pressão. A única pressão que tenho sentido é a dos jornalistas que me perguntam sempre qual vai ser a exposição mais visitada do ano ou estabelecem tais comparações a esse nível. Trata-se de uma pressão amável que não interfere em nada com a nossa programação.

 

Não são justamente os números que fazem com que Serralves tente equilibrar autores seguros com outros mais difíceis?

Confesso-lhe que não aceito a distinção entre "autores seguros" e "autores difíceis". No entanto, suponho que se refere ao facto de certas exposições com artistas já muito reconhecidos projectarem e ampliarem igualmente a curiosidade dos públicos em relação a outros artistas menos conhecidos. É um facto com o qual também procuro trabalhar.

 

O CCB de Berardo já conseguiu mais de 800 mil visitas. É, neste momento, o principal concorrente (se é que se pode falar de concorrência neste campo) de Serralves?

Onde foi buscar esse número? Permita-me duvidar dele, se bem que deseje ao Museu Berardo os melhores índices possíveis de públicos. É bom para todas as instituições culturais em Portugal o sucesso de outras instituições que operem no mesmo contexto. Serralves já terá contribuído e continuará a contribuir para criar públicos interessados em visitar outros museus, incluindo a Colecção Berardo. O mesmo acontecerá em relação a Serralves com o sucesso de visitantes dessa Colecção.

 

Diria que Joe Berardo é um coleccionador ou um comprador de arte?

É indubitavelmente um comprador de arte e um coleccionador. Falta-lhe ainda um ponto de vista que lhe confira uma identidade única e singular enquanto coleccionador, mas tal demora por vezes décadas a ser conseguido numa colecção particular.

 

O Público tornou esta semana pública uma polémica que existia apenas em circuito fechado. A sua intervenção no blogue foi, também, uma necessidade de se justificar?

Não, a minha participação nesse blogue procurou apenas contribuir para uma discussão que necessita ainda muito de continuar a ser desenvolvida no contexto artístico português. Neste contexto, assim como na generalidade da sociedade portuguesa, a discussão crítica e o confronto de pontos de vista diferenciados necessitam ainda de muito estímulo e pouco dramatismo.

 

Não estando nas competências do Museu abraçar o tecido artístico emergente, seria mesmo impensável criar uma espaço de experimentação que permitisse inverter o circuito, ou seja, facilitando a incursão dos artistas no tecido internacional?

Um Museu deve ser sempre um espaço de experimentação. No entanto, no que diz respeito aos artistas mais jovens, seria muito mais natural que uma instituição específica na sua programação se dedicasse a esse contexto. A identidade de um museu, incluindo a sua programação, é sempre também uma consequência dos objectivos da sua colecção. Defendo que um espaço de experimentação para artistas mais jovens não deva ser contaminado por esta questão da colecção, por exemplo.

 

Não é perigosa a ideia de que a falta de condições que sempre existe na cidade permite criar movimentos alternativos?

Essa constatação não é perigosa, é um facto. Um grande artista brasileiro, Hélio Oiticica, dizia: "Da adversidade vivemos...".

 

Num país tão reduzido, não é estranho que o Porto seja factualmente periférico em relação a Lisboa?

Nunca lhe aceitei nem reconheci a periferia...

 

O que distingue os talentos medianos dos verdadeiros?

Há quem pratique linguagens artísticas que repetem fórmulas já conhecidas, mesmo que sinceramente determinadas por emoções e intenções o mais respeitáveis possível e há quem faça o que não foi feito, ou quem o faça de uma outra maneira que nos permite acrescentar conhecimento ao conhecimento que temos, emoção às emoções que já sentimos, confrontarmo-nos com o que jamais imaginaríamos possível. Não gosto da palavra talento, mas suponho que a sua pergunta procura uma resposta como esta.

 

É verdade que não tem arte em casa? Nem uma peça?

Sim, é verdade.

 


publicado por JN às 03:34

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