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Quarta-feira, 25 de Julho de 2007

Regina Guimarães: "Onde quer que haja uma luta, eu quero estar"

Helena Teixeira da Silva

 

Chega ao Palácio de Cristal à hora combinada. Propositadamente, não haverá perguntas sobre nomes ou factos concretos. Mas são eles que, veladamente, ditarão as respostas ao longo de meia hora. Regina Guimarães, 50 anos, professora reformada, porta-voz da luta contra a privatização do Rivoli, não se furta aos confrontos.

Depois de ter sido acusada de invadir um espaço público [Rivoli], que tipo liberdade consegue ter no_Porto?

[Risos] Neste momento, estou naquela situação um bocado cómica de ter que pedir autorização à policía para sair cinco dias do Porto. O Saguenail [marido] diz muitas vezes, e com muita razão, que “a minha liberdade começa onde começa a dos outros”.

 

Uma variação da frase original…

Exactamente. É muito difícil sentir-me livre quando, à minha volta, os outros não estão a fruir de liberdade.

 

E não fruem porquê?

Porque não têm condições sociais – têm vidas tão dificeis e a luta pela sobrevivência é terrivel -, ou porque as pessoas se conformam na autocensura e interiorizaram determinados juízos de tal maneira que, às vezes, para fazerem coisas simples se acham vigiadas, dependentes da autorização superior. Dizer que existe uma autoridade toda poderosa é um belo refúgio para quem não quer exercer a liberdade que nos resta. Porque a que nos resta é a mesma que nos obriga a conquistar mais liberdade. E isso dá trabalho.

 

Quer dizer que “o inferno são sempre os outros”?

Não. Deus me livre. Gosto demasiado dos outros. Escrevo muito para a gaveta e devo-o aos outros, às conversas que ouço, não por curiosidade, todos os dias.

 

 

Saguenail diz também que “metade do Porto é sonho americano importado; a outra metade é ruína”. Concorda?

Claro. Vamos pela rua fora e só vemos ruína. As coisas deixadas ao abandono partem-me o coração. Por outro lado, há uma espécie de explosão de cogumelos dos quais não se percebe o futuro. Parece que estamos a viver um fim do mundo e, ao mesmo tempo, o começo de outro que está também condenado à ruína. Uma coisa como o Dallas [shopping] não tem 50 anos. O edificio transparente foi construído sem se saber o que haveria de ser colocado lá dentro. É sinistro. Há uma inversão extranha da ordem das coisas.

 

É verdade que não tem televisão nem telemóvel?

Tenho um aparelho, que é uma televisão, mas que não está sintonizada.  Como trabalho em audiovisuais, dá jeito poder visionar os filmes. Mas isto não tem nada de extraordinário. Aliás, é muito egoísta.

 

Egoísta?

Em casa dos meus pais havia televisão e até se via muito, sobretudo naquela época do 25 de Abril, em que as pessoas andavam perfeitamente agarradas a tudo o que desse notícias. A partir do momento em que comecei a viver com o Saguenail, começamos por não ter dinheiro para comprar televisão e, quando vieram as crianzas, decidimos que não queriamos ser escravizados por aquele objecto e desabituámo-nos da ideia.

 

Nunca vê nada na televisão?

Às vezes, no café. Há aqueles momento muito divertidos em que está toda a gente a torcer pela equipa nacional e eu vou lá só para estar no meio daquele entusiasmo um bocadinho surrealista. E se houver algum programa que me interesse, como o Prós e o Contras sobre o Porto, vou a casa da minha filha.

 

Gostou do que ouviu?

Nesse caso, não devia ter saído de casa.

 

Imagino-a sempre dentro de “Os sonhadores” de Bertolucci, em 68, na explosão das crises estudantis na Europa. Como se a luta tivesse mudado, mas nunca acabado...

Nunca fui pessoa de ideais. Sou muito terra-a-terra, muito ligada às práticas e ao pulsar da existência. Em 68 era criança. Os anos 60 são a saída da escola primária e a entrada num liceu autoritário. Só mais tarde me abro para o mundo, para as questões sociais e políticas.

 

Não me refiro a uma luta datada, mas a um espírito de luta permanente.

É verdade, as minhas lutas nunca acabaram, se bem que “luta” é uma palavra feia. Parece que estamos numa guerra qualquer, embora não tenhamos sido nós a inventar esta guerra social em que nos encontramos.  Reaje-se mais quando se tem determinadas convicções – não ideais. O ideal pressupõe a existência de uma solução perfeita e não acredito nisso. Digamos que as minha convicções dão origem a confrontos e a isso nunca me furtei. O que não significa que ao longo da vida não tenha mudado nada. A idade passou por aqui.

 

Qual é a sua luta agora?

Há um filme que me comove profundamente, porque tem a ver com o meu estado de espírito: “As vinhas da ira”. No fim, aquela personagem extraordinária despede-se da mãe e diz-lhe: “Onde quer que haja uma luta, eu quero estar”. É isso. Não tenho nenhuma luta especial, nem nenhum ideal cimentado. Mas tenho uma sensação de revolta em relação a inúmeras coisas. E embora não possa estar em todas, tento estar em quase todas as do cuotidiano. Tento construir as lutas onde são necessárias. Sobretudo naquelas questões – que são aquelas pelas quais ultimamente me tenho tornado mais conhecida – que têm a ver com o que é de carácter público, porque têm a ver com o entendimento das relações humanas. Há um discurso, que se tem tornado banal nesta sociedade de mercado neoliberal, que é a ideia de acabar com os assistidos. Como se não fossemos todos assistentes e assistidos. Essa ideia, a ser levada às últimas consequências, vai provavelmente fazer com que as catástrofes provocadas pelos próprios homens ainda sejam mais rápidas na destruição do que as catástrofes naturais que se anunciam. Sinto essa luta pelo que é público como essencial. Não quer dizer que as ideias que tenho sobre o que deve ser o espaço público sejam iguais, ou que as queira impôr às pessoas. O que eu gostaria é que essa minha preocupação fosse partilhada com mais pessoas e que mais pessoas tentassem respostas. Ao contrário do que muita gente diz, não sou passionária. Sou muito limitada em muitas coisas e apaixonada mas muito pelas coisas que estão perto.

 

A realidade empobrece se se lutar menos pelos sonhos?

O sonho é uma coisa complexa. Manoel de Oliveira fez aquela coisa [“Vale Abraão”] sobre a Madame Bovary. Ela é o exemplo de uma mulher que sonha e é vítima dos seus próprios sonhos. Porque não consegue viver com eles. A convivência desses sonhos com o seu quotidiano medíocre é insuportável. O sonho é um pau de dois bicos, embora o homem só faça o que sonha.

 

Tem aversão à sociedade de consumo?

É muito fácil dizer que tenho. Por razões completamente racionais e, sobretodo, de gosto. Aprecio pouco vivências em que o ‘ter’ seja mais importante que o ‘estar’. Mas é óbvio que ninguém é completamente insensível a este bombardear permanente das quesotes do consumo. 

 

O que há em si de futilidade?

Adoro festas, dançar, estar com pessoas, deleitar-me a ouvir conversas de café, não ter nada para fazer…

 

Mas isso é fútil?

Em que é que isso contribui para um bem comum? Em nada. Nem estou a fazer avançar nenhum projecto pessoal. É puro prazer.

 

O prazer é futil?

Pois, acho que não. Mas é a isso que chamamos fútil, não é?

 

O fútil é também uma rendição ao supérfluo?

Mas o que é isso do supérfluo? Depende muito do ponto de vista. Há determinadas coisas cuja utilidade não é óbvia, mas que fazem surgir outras utilidades. Isso pode ser perverso, porque pode criar necesidades negativas, suicidas; mas há outras coisas em que isso não é verdade. Não é por eu nunca ter provado sopa de tarataruga que ela não é boa. No entanto, é absolutamente supérfluo eu vir a provar sopa de tartaruga.

 

Está casada há mais de 30 anos e só esteve separada do Saguenail 24 horas. É a prova de que é possível viver e trabalhar com a mesma eessoa e para sempre?

O amor, enquanto relação exigente que abre para o mundo, é uma coisa que poderia ser uma chave importante de aperfeiçoamento das relações humans. Seja que tipo de amor for. No caso de dois adultos, o que há a trabalhar é a abertura para o exterior. Costumo dizer que o amor é uma coisa que se grita na rua. Não é andar com bandeirolas, não é isso. Mas nunca comprendi o charme do amor clandestino, no sentido em que significa levar até às últimas consequências o ensimesmento das pessoas, a virarem-se cada vez mais para dentro de si, para o umbigo. Enquanto que, noutras condições, o amor pode ser um factor de paixão pelas coisas do mundo, de uma forma mais aberta. O segredo da durabilidade do amor, é saber apreciar isto.

 

Sendo professora porque é que optou por não colocar as suas filhas na escola?

Eu sofri muito, muito na escola primária, não gostei nada de andar lá. Mas isso era um projecto mais vasto; não consistia em não mandar os meus filhos para a  escola. A ideia, na altura, era criar condições para que as crianças de vários pais pudessem estar juntas e serem, alternada e sucesivamente, os diferentes pais a tomarem conta delas. As pessoas com cuja colaboração contávamos cortaram-se e começaram a achar que a escola era um elemento de socialilização muito importante, e que se as crianças não fossem para a escola ficavam uns bichos do mato. Depois, havia o temor em relação ao aproveitamento escolar, à aquisiçao das aprendizagens fundamentais, o que a nós, como profesores, sempre nos parecu uma questão um bocado tola, porque evidentemente o que há aprender até à quarta classe não é muito difícil de ensinar. Portanto, não foram para a escola porque achei que podiam ficar em casa mais tempo. Mas isso não significou que ficaram em casa o tempo todo. Há coisas que fizeram em regime de escola, como irem para uma escola de música, porque não tinhamos a menor possibilidade de lhes dar uma formação musical básica, ou aprender a nadar. Não estiveram fechadas até aos 11 anos; tiveram foi uma gestão de tempo mais livre.

 

A sobrecarga horária incomodava-a?

Incomodava, porque é um bocadinho como se se prolongasse a escola indefinidamente. Parece que as pessoas não conseguem estar juntas. Em França, já há pessoas que durante as suas férias vão para um espécie de campos de férias em que as crianças estão permanentemente ocupadas com especialistas infantis para os pais poderem descansar. Há aqui qualquer coisa que não bate certo. Há vários problemas a ter em conta: há casais que são obrigados a trabalhar em ritmos de laboração muito intensos e depois ficam na difícil situação de saber muito bem o que fazer com as crianzas até à idade de serem autónomas. Tive a sorte de ter uma profissão que me permitiu fazer isso, portanto também não posso ter uma visão moralista sobre o resto. Agora, quando se começa a atingir um ponto em que a criança sai da escola para entrar em mais não sei quantas escolas em que tambérm tem que ter aproveitamento, independentemente do seu real interesse em aprender flauta ou piano ou o que for, é doentio. É a ideia da ocupação dos tempos livres  que deixam de ser livres para estarem permanentemente ocupados pela escola toda poderosa. E parece que de repente as crianças já não conseguem aprender nada se não lhes for ensinado, o que também é uma deturpação básica acerca da aprendizagem. Há qualquer coisa de profundamente doentio na ocupação dos tempos livres, na transformação do lazer numa indústria.

 

 

 

 

 


publicado por JN às 03:22

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