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Quarta-feira, 15 de Agosto de 2007

Nuno Cardoso: "Um tacho nunca deixou ninguém mais pobre"

 

Helena Teixeira da Silva

 

Chega a  Campanhã, muito depois da meia-noite, num comboio vindo de Lisboa. Guarda 25 minutos para a entrevista, antes de entrar em casa.Responde com golos de licor de framboesa. Nuno Cardoso, 36 anos,  passou de encenador-promessa a freelancer. Se correr bem, no fim do ano, encenará "Platonov", de Tchekhov.

 

Demitiu-se do  Teatro Nacional S. João (TNSJ) ou deixou de haver lugar para si?
Basicamente, demiti-me.  Não tanto porque não havia lugar para mim, mas porque dez anos é muito tempo. Precisava seguir em frente.
 
Passa a ser freelancer?
Esse anglicanismo é uma maneira simpática de dizer que sou um gajo que tem que se desenrascar.
 
Era tido como o protegido de Ricardo Pais [director do TNSJ). Ficou sozinho agora?
Nunca fui seu protegido. Admiro muito o trabalho dele. E por mais sorrisos amarelos que isso possa produzir, ele deixa um legado discutível – como o são todos –, mas importante para o Porto.

Deixará de encenar no Porto?

Não. Nem de encenar, nem de viver. Em princípio, para o ano vou fazer o Platonov, no Porto.

Sente que perdeu um tacho?
Um tacho nunca deixou ninguém mais pobre [risos].

Também era protegido da crítica. Mas na sua última encenação, "Ricardo II", pela primeira vez, ela não foi unânime. Como lidou com isso?

Lidei bem. Foi uma espécie de empate técnico: duas muito boas e duas muito más. Já estava à espera. O tipo de proposta era complexa. Tinha virtudes e defeitos e, além disso, estava consciente de que apresentar a peça na conjuntura em que a apresentei abriria espaço a juízos de valor que não têm propriamente a ver com a arte. O que não significa que não ache que as pessoas que fizeram más críticas não tenham o direito de achar aquilo. Mas eu também tenho todo o direito de não lhes prestar atenção nenhuma.

 

Quer dizer que consegue convencer o Porto, mas não Lisboa?

Acho que convenci Lisboa, e bem. Acho que "Ricardo II" é um trabalho do caraças.

É o que são as suas encenações?

Sou.

Um trágico?
As minhas encenações não são trágicas; são cínicas. E, infelizmente, também um bocadinho blazé porque, se calhar, fico encadeado com o exercício de inteligência quando não sou tão inteligente quanto isso.
 
O TNSJ é apontado como um dos vértices do triângulo que se completa com o Museu de Serralves e a Casa da Música. Imagina-o a completar-se agora com o Teatro Rivoli e o Cinema Batalha?
Não.  É um bocadinho a Alice no outro lado do espelho. Nem acho que haja sequer esse triângulo. Acho que são três instituições muito fortes, cada qual delas direccionada para um sentido do que é um equipa cultural. Não vislumbro qualquer sentido, enquanto equipamento cultural, no Batalha. E o Rivoli é o refém de um terrorista que precisa de ser resgatado sem se negociar com o terrorista.

Tem inveja das regalias de Filipe La Féria no Rivoli?
Não. Tenho inveja de uma vida transparente ou de uma situação que seja explicável. O Rivoli é uma nuvem cinzenta.

Seria capaz de encenar um musical para rivalizar com La Féria?

Seria. Aliás, tenho um projecto para isso. É baseado no evangelho e será desenvolvido com os bairros da cidade do Porto. Quero estreá-lo no Natal de 2008. É com não actores e não cantores e leia-se disso o que bem se entender.

Quer fazer um musical só por La Féria estar no Porto?

Não. Quero fazer um musical porque é um género fantástico e porque me irrita esta maneira de conduzir a vida pública, em qualquer que seja o seu sentido, que está a apoucar uma cidade tão grande como o Porto.

Já foi ver "Jesus Cristo Superstar"?

Não, mas vou ver. O facto de achar que aquele musical não devia ser feito no Rivoli, de achar que aquilo que está a acontecer ao Rivoli é profundamente errado, de achar que toda a situação e todos os intervenientes na situação estão profundamente errados e que há ali qualquer coisa de muito mau e anti civilizacional não significa que julgue mal uma coisa que ainda não vi. Quero ver. Quero aprender.

O formato das cidades capitais de cultura seduzem-no?
As capitais são, pelos vistos, avisos de morte. São como uma marca que se cola a dizer: "Bom dia, você vai ser capital da cultura. Em breve, vai morrer". Veja-se o Porto e Coimbra. Resta saber se, também em Guimarães, vai servir  o ressurgimento de uma cultura da desgraça para os revanchistas virem ao de cima.

 

Que peça escolheria para caracterizar a actual condução política no Porto?
Não consigo encontrar uma peça tão sinistra.
 
"Uma pessoa define-se pelas suas batalhas".

Claro.

Quais são as suas? 
Tentar ser o mais honesto possível nas encenações e nos trabalhos de actor que faço. Não seguir as ideias feitas, nem entrar em clubites. Portugal é um país que vive muito de clubites: ou estás comigo ou estás contra mim. Esses clubes foram definidos quando ainda eu tinha quatro, cinco anos. Não tenho nada a ver com eles. Só tinha três anos quando começou o 25 de Abril e quando os senhores que estão no poder escolheram o seus clubes e as suas divisões. A minha grande luta é continuar a trabalhar.  


Há em si um lado feminino que o leva a curar as neuroses nas compras?
Não sou uma 'fashion victim', mas gosto muito de ir às compras. E de criadores com Paul Smith ou Dries Van Noten. Vivo bem com os paradoxos.  Não me importo de dizer que sou consumista, sou; que sofro muita influência da publicidade, sofro. Tenho essa consciência; já não é mau. 
 
É egocêntrico?
Sou. Tive um professor que disse que o meu ego é maior do que a bola de praia da Figueira da Foz.
 
É um backpacker ou um turista de resort?
Viajo sempre de mochila às costas. Às vezes, não preciso sair do sítio para viajar - a viagem é um estado, não são os quilómetros; outras vezes, preciso ir para o outro lado do mundo para perceber o quão eurocêntrico sou.
 
É a estrela de Canas de Senhorim?
Não. Isso é uma sobranceria. A estrela é Alfredo Keil, que escreveu "A portuguesa".
 
Participou nas lutas de Canas a concelho?
Já não vivia lá. Mas agora estou preocupado com o fecho da Casa do Pessoal, onde comecei a ver cinema.
 
Qual é o ícone televisivo da sua infância?
Se há símbolo é o Vasco Granja. Não tinha paciência para os desenhos polacos e os russos, mas esperava para ver o Coyote e o Beep Beep. Há um ditado taoísta que diz: "A juventude é mal empregada nos jovens". Se calhar, a infância é o ponto de nostalgia dos crescidos. 

Na literatura, mantém a ficção científica como género predilecto?

Sim, sou completamente fascinado pela ficção fantástica e científica.

 

E no cinema?

No cinema, tenho um fraquinho por westerns.


Ficou no 2º ano de Direito. Quando percebeu que não queria ser advogado?

Na primeira aula, quando um professor disse: "Vocês são a elite do país. Espero que se comportem como tal". Descobri que não gostava daquele sítio.

Coimbra foi a sua perdição?

Foram anos úteis e inúteis. Foram anos de fractura.  Coimbra não me deu estudos académicos, nem eu contribuí nada para academia ou para Coimbra. Mas foi lá que aprendi que nada é para sempre. E que, depois de as coisas acabarem, ainda há mais vida para viver.

 

 


 

publicado por JN às 03:44

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