Fotógrafo na impossibilidade de ter sido pintor, António Barreto, 65 anos, é sociólogo, investigador, cronista. Céptico e optimista, que as contradições não excluem ninguém. A tensão entre ‘agir e ver’ levou-o e tirou-o à política. A luta agora é o Douro, região de que é militante. Dedica-lhe a primeira longa-metragem, que começa a filmar em Março.
Revê-se no país que retrata ao domingo no ‘Público’? Também sente o cinto apertado, a pressão dos juros a subir...?
Não tenho fortuna, mas seria injusto dizer que vivo com o cinto apertado. Não pago juros. A casa e o carro são meus.
Sente-se um privilegiado?
Não no sentido de obter benefícios por ser quem sou: pelo nome, família, pertença política, crença religiosa, sangue, nem pela herança. Mas porque estudei e trabalhei vivo mais confortável do que a maior parte dos portugueses.
E vigiado, sente que é?
Com a crescente intrusão dos poderes públicos na vida das pessoas? Muito! Agora até me obrigam a sair do café para fumar! Sabem se uso via verde, multibanco, telemóvel, internet. Há cópias de tudo e é possível reconstruir a minha vida.
Só encontra desvantagens aí?
As vantagens são marginais comparadas com o sentimento de que a minha vida privada tem áreas às quais quem quiser, e puder, pode aceder. Não vivo aterrorizado com isso, mas vivo mal disposto.
Já o acusaram de pertencer a uma elite intelectual inútil – que avalia, mas não actua. A si basta-lhe diagnosticar?
Quando você diz “basta”, até parece que perceber é coisa fácil e simples – não é! É mais fácil aprender um ofício do que aprender a perceber, a raciocinar, a reflectir. “Bastar” é palavra que não aceito. Defendo ideias, causas, crenças, opções. E luto por elas.
Na prática, o que faz pelo Douro, região que lhe é tão cara?
Ninguém é isento de contradições. E eu tenho tantas! Mas do Douro sou realmente militante. Luto e bato-me por ele. Dou o nome, a palavra, a imagem. E lamento que o tratem tão mal.
Por outro lado, já se queixou de que a investigação sociológica enforma muito pouco a decisão do poder. Imaginar-se-ía conselheiro deste Governo?
Nem deste, nem de nenhum. Mas gostava que os trabalhos sociológicos fossem suficientemente claros para que os políticos os estudassem e daí retirassem conclusões.
O seu pessimismo militante agravou-se com Sócrates?
Sou céptico; não sou pessimista. Na vida pessoal sou muito optimista. Acredito que vou escrever livros, fazer filmes, exposições de fotografia, viajar. E não tenho medo da morte, da doença, dos desastres. Em relação ao mundo exterior, por que hei-de ser optimista se vejo o aquecimento global, a guerra, poluição, desigualdade social, analfabetismo, fome na Ásia, em África, conflitos no mundo inteiro, a força económica a impor-se no mundo esmagando velhos e crianças?
Mantém aquele espírito de Robin dos Bosques – tirar aos ricos para dar aos pobres – que caracterizou a sua passagem pelo Governo nos anos 70?
Vendo a desigualdade social, os vencimentos dos gestores públicos e privados, as indemnizações por despedimento que todos querem, as pensões vitalícias no sistema público e privado, posso dizer-lhe que sim, se mandasse, faria de Robin dos Bosques. Pegava no sistema fiscal e penalizava duramente os grandes rendimentos e vencimentos.Em capital e trabalho.
Todos parecem ter encontrado as causas para a actual fragilidade do país em AntónioGuterres . O pecado dele foi ter feito Portugal crer que poderia ser uma imensa classe média?
Não posso negar o que diz. No Governo dele tudo era possível, tudo era fácil e o que havia chegava para todos. Todos iriam ter tudo. Para o conseguir, ele nunca corta a direito, nem toma decisões. Habituámo-nos a viver à balda e à borla.
Ficou tudo condicionado aí?
Uma parte importante; não tudo. Há outras coisas que vêm já dos governos de Cavaco Silva. A constante mais permanente nos últimos 30 anos foi a demagogia.
Se tivesse agora um filho, educá-lo-ía em Portugal?
Até ao secundário, sim. Em princípio, numa escola pública, porque gostaria que ele conhecesse tudo e fosse capaz de viver como toda a gente. Quando chegasse à Universidade, teria que pensar. Quereria que fizesse um período de vida no estrangeiro. Viver noutro país ajuda-nos a relativizar megalomanias, o egoísmo e o egocentrismo.
Viveu 12 anos na Suíça. O que o faria sair daqui hoje?
A incapacidade das reformas, a desigualdade social, a fealdade do país, a poluição sonora, o absurdo e anacrónico sistema de justiça. Na minha idade, é um desabafo.
E a fotografia, que papel desempenha hoje na sua vida?
Um papel importante, mas, até agora, privado. Daqui a três semanas, inauguro a primeira exposição.
Fotografa há 40 anos. O que mudou para passar a querer partilhar o que vê?
Entre outras coisas, fazer-me a mim próprio a pergunta: para que acumulo eu isto tudo?