Helena Teixeira da Silva
Foi contactado por SMS, respondeu por email, no ‘smog’ das Filipinas. Gonçalo Cadilhe, 39 anos, desistiu de picar o ponto. É bem capaz de ser um dos portugueses mais invejados de hoje: a sua vida é viajar e escrever sobre o que vê. Prepara agora um projecto literário sobre Fernão de Magalhães.
Está nas Filipinas. Quer descrever-me o cenário exacto que o rodeia?
É o típico cenário exótico, oriental e pitoresco que todos imaginamos serem as Filipinas: a brisa, a humidade, as palmeiras e uma cortina de smog que não me permite sequer ver se posso ou não atravessar agora a avenida
Em Fevereiro foram encontrados pregos dentro de centenas de bananas Filipinas. Trincou alguma por aí?
Não, nenhum problema aqui. Todas as bananas aqui à
Já decidiu para onde seguirá depois?
Sigo para
Sente que descobriu o verdadeiro ovo de
Neste momento, e já há vários meses, ando mais preocupado com o ovo de Magalhães.
O meu copo anda sempre vazio. Parafraseando (de memória) o poema do Caetano: minha sede não é qualquer copo de água que mata/ minha sede é uma sede que é a sede do próprio mar.
A viagem é o viajante?
A viagem é o espelho do viajante, cada paisagem mostra-lhe a própria
Quando está fora, faz questão de manter-se informado sobre
Faço questão de manter-me desactualizado, à margem mesmo. Quando estou por cá é mais fácil, claro, a natural repulsão por todas essas notícias mesquinhas e frívolas, que não interessam para nada e que no dia seguinte já ninguém recorda, mantém-me naturalmente as defesas alçadas. Viajando é que fica mais difícil resistir a saber coisas, porque as saudades amolecem.
Conhece tão bem
Espero bem que não. Seria insultar o resto do mundo.
Dá consigo a ter mais saudades de casa ou dos lugares onde não voltará?
Saudades só do futuro, por favor.
Teve pena que o Infante D. Henrique não fosse considerado o maior dos “Grande Portugueses”?
Não, pena nenhuma. Era só um programa de entretenimento da televisão.
Estar permanentemente em contacto com outras culturas abala as suas convicções religiosas, políticas e outras?
Felizmente, sim. Mas Bush perdeu um potencial defensor da sua política de terra e carne queimada.
Acha que a sua legião de fãs fica a dever-se mais às viagens ou à coragem de abdicar de uma vida sedentária?
Creio que a minha popularidade se deve à minha participação regular nas festas do jet set do Agosto algarvio.
Somos, como alguém escreveu num blog a propósito do seu livro, “todos bastante parecidos quando limpamos o pó das aparências”?
Diferentes q.b. para valer a pena andar pelo mundo a procurar as semelhanças.
Lida bem com o mal que vê pelo mundo ou fica a martelar-lhe na cabeça?
Sou um D. Quixote pulverizado de cinismo.
Viajar pode ser, também, uma prisão?
A prisão não é a viagem, mas sim, parafraseando a Yourcenar, a cela redonda e azul por onde ela se desenrola.
Escreveu em “A lua pode esperar”: “Temos a idade europeia driblada, do matrimónio adiado, da paternidade esquivada (…) cocktail que mistura conhecimento e irresponsabilidade, cepticismo antigo e leveza amoral, vida fácil e experiência de vida”. Viajar é uma forma consciente de contornar o que para muitos parece uma inevitabilidade?
Não tem que ver com viajar, mas com optar por uma vida fácil, sem responsabilidades, num mundo orientado para valorizar tudo o que é ‘fun’, ‘light’, ‘easy’, inconsequente. E precisamente logo agora que temos todas as ferramentas culturais e toda a informação para podermos tomar decisões e opções de vida dignas, profundas, responsáveis. Que paradoxo.
Ainda leva a prancha de surf e a guitarra para onde quer que vá?
Umas vezes a guitarra, outras a prancha, por vezes as duas e então é uma festa.
Vive um dia de cada vez ou sente a pressão do tempo que nunca chega?
Uma forma exclui a outra? Sempre pensei que fossem causa e consequência.
Quando editou “
2004, houve muito quem se queixasse de não encontrar crónicas mas apenas imagens. Estas retaliações surpreenderam-no?
Penso que os protestos se resolveram, poucos meses depois, com a publicação do “Planisfério Pessoal”, o equivalente em texto dessas imagens.
Acusam-no de um certo deslumbramento perante a miséria alheia e de a romancear. Quer defender-se?
Não quero defender-me. Deve ser uma frase minha qualquer, fora de contexto, que levou alguém a essa conclusão.
Acha que as pessoas esperam de si, também, um olhar crítico, quase político?
Sinceramente, não sei o que as pessoas esperam de mim. Já me custa bastante saber o que eu espero de mim. Mas se o que essas pessoas esperam de mim não se concretizar, então significa que formaram uma ideia errada de mim, vá-se lá saber porquê.
Resiste aos gadgets que encontra em cada país ou a tecnologia não o fascina?
Não resisto ao que me pode ser útil para melhorar a minha qualidade de vida. Creio que tal
Um relato vale mais do que mil imagens?
Se for escrito pelo Saramago, sim.
Em “O canto nómada”, Bruce Chatwin escreveu: “Tive o pressentimento de que a fase ‘andarilha’ da minha vida podia estar a chegar ao fim. Tive a sensação de que, antes de ser contaminado pelo mal-estar do sedentarismo, tinha de voltar a abrir este bloco-notas. Tinha de pôr no papel um apanhado das ideias, citações e encontros que me tinham divertido e obcecado; e que, segundo esperava, esclareceriam o que, para mim, é a questão das questões: a natureza do desassossego humano”. Já sentiu isto, que a sua fase de andarilho podia estar a chegar ao fim?
Não, não senti isso - nem sequer penso numa vida dividida em “fases”. A minha vida tem decorrido de uma forma muito fluida e encadeada, não tem sido uma sucessão de “fases”. Talvez uma sucessão de compassos, numa partitura para improvisação por terra e mar…